A necessidade do distanciamento social e a aversão aos transportes públicos durante a pandemia de Covid-19 favoreceram um dos meios de transporte mais baratos e sustentáveis da atualidade: a bicicleta. Cientes da necessidade da população de estar mais ao ar livre, praticar atividades físicas e evitar aglomerações, governos locais e federais na Europa e América Latina aproveitam a diminuição do trânsito nas ruas para investir na construção de ciclofaixas.
Na Europa, o segundo continente a ter sido atingido pelo vírus originado na China, foi anunciada a construção de 2.315 novos quilômetros de ciclovias, segundo a Federação Europeia de Ciclistas (ECF). Desses, 1.094 quilômetros já foram finalizados, totalizando mais de 1 bilhão de euros investidos nesse meio de transporte. Paris, Barcelona, Londres e Berlim lideram o ranking de cidades que mais investiram no transporte de duas rodas.
Durante o caos das primeiras semanas da pandemia na Itália, o governo de Roma expandiu temporariamente em 150 quilômetros as ciclovias. Passado o tempo do confinamento eà medida que a cidade voltava à normalidade, o governo resolveu transformar as vias em permanentes.
Do outro lado da fronteira, na França, a mudança é política de Estada. A atual ministra do Trabalho, que já ocupou a pasta de Transportes, Elisabeth Borne, pediu ao ecologista e ativista Pierre Serne o desenho de um plano para Paris. O governo também decidiu fechar para os carros a famosa Rua de Rivoli, que dá acesso ao Museu do Louvre. Dos 71 quilômetros anunciados no projeto, já foram implementados 29 na capital, segundo a ECF.
Em Berlim, capital alemã, os 24 quilômetros anunciados já foram finalizados. A demanda por bicicletas, no entanto, já vinha crescendo. Em 2019, o mercado alemão registrou um aumento de 34% na venda das bicicletas – principalmente dos modelos elétricos, que, segundo a consultoria Delloite, pode ampliar suas vendas em 50% até 2023. Entre março e abril de 2020, porém, o país registrou um pico de vendas e algumas lojas faturaram até três vezes mais do que o normal.
Em Barcelona, na Espanha, a prefeitura teve que esperar por décadas uma oportunidade para ampliar as vias destinadas aos ciclistas, e ela veio com a Covid-19. A cidade catalã é uma das mais aglomeradas do continente e apresenta altos índices de trânsito, o que por muitas vezes impediu a Prefeitura de dar andamento nas obras. Com a diminuição do tráfego durante a crise do coronavírus, o governo conseguiu instalar os novos 150 quilômetros de ciclovias.
Porém há um problema: a cidade está localizada em uma região montanhosa, com subidas e descidas íngremes. Para contornar o empecilho, Barcelona irá investir em um modelo que permita o compartilhamento de bicicletas elétricas, que tornam o tortuoso caminho mais confortável.
América Latina
O entusiasmo com a bicicleta, contudo, não se limita somente ao continente europeu. Na América Latina, Bogotá, capital da Colômbia, se tornou a cidade mais proeminente no assunto. Durante a pandemia, o governo da cidade criou 94 quilômetros de ciclovias temporárias e pretende manter permanentemente ao menos 30 quilômetros de trechos exclusivos para bicicletas.
Em fevereiro, a prefeitura anunciou um plano ambicioso de aumentar em 220 quilômetros os já 550 quilômetros existentes de ciclovias na cidade nos próximos quatro anos. O objetivo é aumentar de 7% para 50% o número de viagens feitas por bicicletas dentro da cidade.
Na Argentina, o governo fechou parte da avenida Nove de Julho e criou faixas de 200 metros de larguras exclusivas para os ciclistas. Segundo o Banco Mundial, o uso de bicicletas no país cresceu cresceu cerca de 129% em relação a 2019.
No Brasil, Belo Horizonte criou um corredor de 30 quilômetros que corta a cidade de leste para oeste. Em Curitiba, a prefeitura planeja adaptar paradas de ônibus para os ciclistas.
A cidade São Paulo não criou faixas temporárias ou anunciou planos de expandir os 504 quilômetros de vias existentes, mas a Prefeitura pretende voltar a investir nas chamadas “faixas de lazer”, ciclofaixas temporárias instaladas aos domingos e feriados. O projeto estava paralisado por falta de patrocínio.
Para que a tendência se confirme e as pessoas possa integrar cada vez mais a bicicleta em seu cotidiano, não basta apenas pintar uma faixa na rua, uma vez que ela deve “ser uma opção segura” diz Vicente. “Se vamos estimular o uso da bicicleta, só que sem segurança, corremos um risco maior dela ser descartada no futuro”, argumenta.